terça-feira, 1 de maio de 2007

O Monge quase foi

Irmãos, por pouco não perdemos o Monge - naquela quinta infernal, dia dos depoimentos na assembléia. Não, nada a ver com isso; o Monge não está nem aí. Coincidência pura. Aconteceu no Ecoville, hospital do coração. Não fosse a Irmã Cristina, sempre presente, amorosa e atenta, nosso guia jazeria agora no Panteão dos Heróis, na Lapa. No cateterismo pesado a pressão do Monge baixou para 5 e aquele generoso coração chegou aos 30 batimentos.
Correria, gritaria e energia da Irmã fizeram o Monge reviver, assim como Lázaro – não, lázaro, simples e em dupla, definitivamente não! Eles praticam outra crença.

Na ressurreição o Monge confessou: teve uma visão. Apareceu-lhe o Capataz do alto de uma torre alta e estreita, uma cidade desconhecida, montado num corcel branco e alado, luzes irradiando do corpo e brandindo vigorosamente um alfanje. Ao pé da torre, centenas, famílias inteiras, pais, filhos, irmãos, sobrinhos, parentes e afins, desesperados pediam a atenção do Capataz – que só ao Monge dirigiu um sorriso, tocante no carinho e na doçura.

O bom doutor Kubiak, nosso irmão, amigo e médico do Monge, tranqüilizou a todos do Credo que lá estavam. É normal, trauma cirúrgico. Mas advertiu: o Monge está sofrendo de variante da síndrome de Estocolmo, que provoca no seqüestrado proteção e afeto para com o seqüestrador...

As tentações da Granja

O cronista fez sucesso e voltou. Falando, claro, do Monge da Carmelo, porque é preciso. As interpretações são livres:
O Monge antecipou seu retorno de Aparecida. Precisou ir até lá para entender que São Benedito não tem santuário, ele está dentro de nós, pode ser cultuado em toda parte, até na Gruta. Mas de São Paulo tirou lições, que já difunde entre os devotos. Uma delas veio do Rabino Sobel, que, diz o Monge, mostrou que até bons companheiros pecam. Vai além, está relendo as Escrituras e por isso não julga nem os maus companheiros. Eles que o julguem. O Monge é a própria imitação do Cristo, todo indulgência e todo compaixão.

Por que o Monge voltou? - A urgência do culto, que cresce a cada dia, criando filas e impondo senhas aos romeiros que disputam sua benção na Gruta da Carmelo? Ou o chamado do Alto, sempre o requisitando pela sarça ardente?

O Monge enche de dúvidas e mortifica os devotos. Nem aos que com ele, e por ele, alcançaram a graça revela suas intenções, seus desígnios mais íntimos. Limita-se a repetir as Escrituras: a granja, perdão, a casa do pai tem muitas moradas...Nada diz sobre "preparar-nos lugar".

Compostela, de onde traria acabada sua doutrina, está cada dia mais distante, quase esquecida. O Monge agora só fala em outro caminho, o de Damasco.

Rezemos pelo Monge.
(publ. no blogo do Zé Beto, J. do Estado)

O Monge & o Capataz

Quinta-feira, dia de oferendas na Gruta. Dois romeiros novos, Alexandre Curi e Dobrandino Silva, vêm pedir a intercessão do Monge da Carmelo. Motivo: a saúde do Capataz. Insistem que faça visita à Granja. Irmã Ana e Irmão Distefano desaconselham, sempre reticentes quanto à fé do Capataz.

Relato do Monge, ao retornar. O Capataz está realmente doente. Do corpo, efeito de medicamentos para a pressão. Quanto ao espírito, o de sempre. Aquele, o da chacota. Nenhuma elevação, nenhuma renúncia, nenhum perdão. Só a sedução, à qual o Monge se diz imune, lembrando o Cristo, levado ao alto do monte, quando Lúcifer ofereceu-lhe o mundo. O Monge tranqüilizou os devotos, dizendo que recusa voltar àquele mundo, tão adiantada está a difusão de seu credo.

Disse o Monge, na prédica da sexta, que ao fracassar na expulsão dos vendilhões do templo, perdão, da Granja, seguiu Pilatos: lavou as mãos. Mantém-se em retiro e silêncio, obsequiosos e leais. Segue no propósito de purificar-se, recolhendo-se a Compostela, numa peregrinação que - diz ele nesse sincretismo rejeitado pelo Irmão Distefano, sempre rigoroso na doutrina - aprendeu com João Batista e Buda.

Neste sábado, e até a Páscoa, o Monge, com a Irmã Cristina, permanecem em Aparecida. O Mestre confunde com São Benedito a santa encontrada pelos pescadores. A tantas anda o enlace de crenças do Monge da Carmelo e seu afã de perdoar. Dá para entender, sabendo-o lapiano e desde criança devoto de João Maria, outro Monge da sua Lapa e inspiração do - também outro - Contestado.
(publ. no blog do Zé Beto)

Sanebras & Sanepíndia

NOS JORNAIS DESTE SÁBADO, 28 de abril: a Índia aprovou lei fixando prazo para o povo parar de defecar nas ruas. Nada para as vacas, que na Índia são sagradas e fazem o número dois onde bem entendem. Talvez o próximo governo resolva, pois tem chance de reeleição - uma pesquisa estima diferença de 10 milhões de indianos a favor.
Mas fiquei matutando, apesar dessa constipação que me trava tudo desde o dia 26, quando o Paraná debateu o trabalho da Sanebras no esgoto do Litoral.

A Índia tem um bilhão de habitantes, oitenta por cento na linha da pobreza, tanto que se banham no Ganges. O que dá 800 milhões de cidadãos todo santo dia indiano fazendo as necessidades nas ruas. Como comem muito pouco, quase nada, devem produzir em média 100 gramas diários per capita. Ou per intestinu. Isto representa 8 bilhões de quilos de cocô indiano por dia (!) - o certo seria calcular em metros cúbicos. Não estou seguro do número - se soubesse fazer contas estaria no Paranasan calculando esgotos e reequilíbrios. Incluí as reincidências dos que vão às ruas - ou vão aos pés, como no Rio Grande do Sul - mais de uma vez ao dia.

Não é falta de esgoto, noticia o Bombay Times. É excesso de indianos, pra não dizer excesso de cocô. A Sanepíndia, retomada dos ingleses, foi ouvida no Raj, o Congresso de lá: tem dificuldade para obter financiamentos, mas seus técnicos são eficientíssimos. Foi muito aplaudida no Raj a exposição da engenheira Indira Schwankaguptra. O BT registra um tumulto no Raj quando o diretor Mahatma Jacabgandhi - experiente e calejado especialista da área - propôs a distribuição de enteroviofórmio à população até que a rede de esgotos indiana cubra (!) 30% da população.

Pra uns constipação é problema. Pra outros é solução.
(publ. no blog do Zé Beto, J. do Estado)

O crime compensa

O crime compensa. Não, definitivamente não estou falando dos políticos, eles não cometem crimes, simplesmente sucumbem à tentação. Falo dos outros, dos que vão pra cadeia. Agora há pouco, 11 horas, Praça do Expedicionário. O garotão, vinte e cinco no máximo, bermudão, camisetão, sandália havaiana, sem tatuagens à vista, me aborda: "Amigo, não tenho vergonha, acabo de sair da penitenciária". Minha resposta de sempre e o gestual de sempre; apalpo os bolsos, estou sem nada, companheiro. Veio aquele sorriso, algo cínico: "nada disso, só quero um cigarro". Dei, me ofereci para acender. Ele tinha isqueiro.
Pensava que cigarro se leva à penitenciária. Livre, o ex-detento quer - sem alternativa - outra coisa, recair no crime. Este aqui atualizou o "inteirar a passagem", "vim do interior, tenho que me internar"; assume (ou mente, por isso lembrei dos políticos) que saiu da cadeia. E os burgueses medrosos aqui até se sentem reconfortados, estiveram perto do assalto. Assunto para a família. Assunto para crônica.
De longe vi que a melódia (sim, melódia, tá no Houaiss) continuava com todos os passantes. Pedia aditivos ao meu cigarro?
Só me veio a lembrança do Millôr, velho e sábio Millôr, quando - agora sim - aconselhava aos políticos: "a melhor malandragem é a honesta, porque não tem concorrentes".
Pois é. Ou o garotão leu o Millôr ou os políticos vão ter concorrência.
Deve ser coisa do PCC.
(publ. no blog do Zé Beto)

Sexo e maionese

Colaborador famoso, inspirado no texto de Jamur Junior sobre o Renatinho Schaitza, envia uma "história curitibana" - real e das boas: Acabo de descobrir com Jamur e Schaitza que maionese e sexo combinam. Meu avô dizia que "maionese e sexo, só feitos pela minha senhora". A maionese, sou testemunha, era excelente. O sexo devia ser bom, pois produziram doze filhos. E aqui estou eu. Meu irmão Luis Alberto teve seu momento - de sexo e maionese. Um dia desapareceu, deixando bom emprego e bela namorada. Pesquisa na polícia e no IML deram em nada. Um dia começam a aparecer cheques dele, sempre passados para supermercado. A polícia e meu pai encontraram o cara numa favela, escarrapachado num sofá quebrado, agarrado a uma mulher feiíssima. Estava numa boa, e justificou-se pro pai dizendo que "mulher tem muitas, mas que fizesse uma maionese como esta" ele nunca tinha encontrado.
(publ. no blog do Zé Beto, Jornal do Estado)

Na trattoria do Cláudio Couto

Não é comercial; é justiça. Anote o nome: Cláudio Couto. Gordo, sorridente, atencioso, tem aquela congeniality dos ingleses. Não, não pode ser curitibano. E não é, é carioca. Demorei para me aventurar a conhecê-lo, pois ele inventou de dar a seu restaurante o linguisticamente ofensivo: Atrazzione d'Italy. Assim mesmo, com um "t" a menos e um "z" a mais; além dessa barbaridade de acrescentar um apóstrofo português a um substantivo inglês. O cardápio faria Dante Alighieri fugir daquela falsa tumba em Florença, tanto nele se massacra o italiano. Teve sócios, hoje trabalha só, com um ajudante e um garçom. Acertou no gênero: é trattoria; seis mesas, separadas por parede de vidro que permite assistir o virtuoso na cozinha. O manjericão é plantado no canteiro da rua. O Cláudio me jura que não tem xixi de cachorro. Se tem, não faz diferença, pois este carioca atrevido, ignaro da Divina Comédia, cozinha divinamente. Cardápio rico, italiano fusion, como diria, esnobe, o Fabiano Dalabona, que sabe tudo de comida e cultura italianas. Dou só duas dicas: o filetto di manzo alla polenta, em que ele transforma aquela pasta em algo espiritual, e a carne, quando ao ponto e túrpida do molho de mostarda com funghi, nos levam literalmente ao êxtase - da última vez não resisti e beijei-lhe as mãos. Indispensável - como diria Vinícius, pois comida e mulher é semântica e oportunidade - a hipótese da salada do Cláudio: variada, folhas tenras, tempero essencial e perfeito, e como gordo é sempre exagerado ele ainda nos brinda nela com tiras de carpaccio. Não dou endereço, horário e preços. Seria comercial. Avisei: é justiça.
(publ. no blog do Zé Beto, J. do Estado)

Raça ou religião

Almoço do Jacobina. Na mesa ao lado o casalzinho, pela pasta e pela conversa estudantes da UFPR. Namoro se engatilhando e problemas existenciais sérios, pelo rumo do papo o Apolo negro tinha dúvidas de sua aceitação pela família da amada, linda como a Raquel que Jacó esperou sete anos para levar ao ripah - aquele altarzinho dos casamentos judaicos. Diz lá o Apolo, "não dá, judaismo é raça". Raquel responde, "não é, é religião". Apolo insiste, "é raça". Raquel liquida a fatura, "é religião. Você pode se converter pro judaísmo, já eu não posso me converter pra tua raça".
Caí de boca na polenta e voltei correndo para casa. E para os braços de minha Raquel.

Será o Benedito?

Quem não conhece a expressão? – Pouquíssimos. A maioria usa naturalmente. Agora, quantos sabem o que significa, ou como surgiu? – Eu, pelo menos, só descobri hoje; vou contar. Acontece ali por volta de 1934, em Minas Gerais, quando não se sabia quem Getúlio Vargas ia nomear interventor no Estado. Boatos e mais boatos, a especulação popular repetia: Será o Benedito? O Benedito em questão era o Valadares, quintessência da raposa política, sempre dúbio e esquivo, não raro se fazendo passar por completo imbecil. Tem aquela famosa dele, já interventor, quando um auxiliar trazia estatística mostrando que nos acidentes ferroviários o maior número de vítimas estava no último vagão. A solução do Benedito para o auxiliar: “Baixe decreto proibindo o último vagão“.
Vocês dirão – Mas será o Benedito? Isso mesmo; é expressão de dúvida. Pois bem, este relato é sobre uma dúvida, daquela cruel, dolorosa, e que me deixou muito mal recentemente. Fique claro que não tem nenhum outro Benedito nesta história. Ou será que tem?

Eu vinha de uma falência dupla, da empresa e do casamento. Falo da empresa depois, porque uma coisa puxa a outra. O casamento tinha sido bom, estável, filhos crescidos, netos a caminho. Mas tinha chegado a hora da fadiga do material, fim do romantismo, conversas sobre o estritamente diário e doméstico. É claro que ainda me julgava capaz de avanços românticos, mas, homem de meia idade, queria viver a fantasia das mulheres muito mais jovens. E acabei percorrendo o caminho usual, da fonte da juventude. Me dei mal. Não tinha as mesmas referências, os mesmos interesses, nem a superficialidade daquelas deliciosas meninas com a idade das minhas filhas. Descobri que até no sexo, se me sobravam vitalidade e imaginação, estava em choque constante com a pressa e o descompromisso das parceiras, em exauriente rotatividade. Até por acidente, naquelas conversas com os parceiros de infortúnio, ex-casados como eu, acabei descobrindo a internet.

Sou daqueles em débito eterno com o inventor da internet, seja ele quem for. Pois é, a internet me ajudou no resgate da falência, mais da empresarial que da outra. Falido, com bloqueio cadastral, encontrei um trabalho frila – como dizem os jornalistas – de corretor de anúncios. Fazia contato com as empresas, recolhia seus anúncios e repassava para os jornais. Tudo pela internet, santa internet. Ganhava um bom dinheiro, sobrava tempo para as mulheres, e até acabava conhecendo gente nova. – Falei gente nova? Entendam: mulheres. Todas novas na minha vida; algumas novas na vida delas; outras, muito poucas, não tão novas. Negócios e mulheres; tudo pela internet. Acabei descobrindo que a internet é ferramenta eficaz só para os negócios.

O trabalho de vendedor me obriga a visitar os clientes. Eles querem, precisam do contato pessoal – quase sempre aquela mordida do subalterno para engordar o salário; e eu também, negócios atraem negócios. Acabou virando rotina, tanto que naquele fim de tarde no bar, trocando fichas com amigos, vendedores como eu, veio a ligação no celular, secretária-gerundiante falando:
- Aqui é da COENSA, dona Lara Cuervo pergunta se o Senhor pode estar passando aqui amanhã de manhã.
Nunca tinha ouvido falar da COENSA, e Lara Cuervo, apesar do nome esquisito, não conhecia nem mais gorda nem mais magra. Não me escapou a troca de olhares maliciosos quando perguntei se alguém da turma podia me dar um feedback. Veio a informação precisa, com aviso bem claro – É estatal. Prepare-se para a mordida. A mordida vinha com entonação especial, que na hora me passou batido – naquele momento eu só antecipava que queriam “calçar proposta”, o anúncio e a comissão tinham donos; se eu fosse “bonzinho” podia entrar na próxima, etc., aquilo que todo mundo sabe dos contratos do Governo.

Fui à COENSA conversar com Lara Cuervo. Mulher afável, cinqüentona; corpo como ruína grega, sugerindo um passado de perfeição e beleza; olhar algo turvo; voz empastada, não sei se de ressaca, do pesado sotaque pernambucano, ou de ambos; discordei de pronto daquela calça de couro, ressaibo dos vinte anos do meu casamento com mulher elegante e crítica. O nome Cuervo não mais me impressionava, mas me contive no ato-falho de chamá-la “dona Lara Sapo”: a boca muito grande, lábio inferior caído, à D. João VI, mal contendo dentes grandes e espaçados (festival de diastemas, diria meu dentista), tisnados pelo tabagismo incontrolável e amarradíssimos no aparelho ortodôntico. (Num desses cursos livres da Universidade o professor de antropologia dizia que gente de meia-idade com aparelhos é exemplo de rito-de-passagem: modo de superar a pobreza, que impediu a correção na idade certa; não resolvem o problema, mas dão aquela compensação psicológica do “cheguei lá”).

A conversa com Lara Cuervo não trouxe novidade. Ela queria mesmo esquentar outra proposta – cruzei na saída com vendedor concorrente. Tratou-me com uma blandícia que me induzia a também percorrer rito-de-passagem: apresentasse orçamento (sugeriu até o preço, que imaginei superior ao do concorrente), fosse paciente e cordato que chegaria minha vez. Não me escapou a tela do computador, aberta num saite de encontros, desses que eu havia freqüentado depois da separação.
Voltei à COENSA algumas vezes, agora chamado pessoalmente por Lara, que me prestigiava com a não intermediação da secretária (e daquele gerúndio que feria o ouvido). Dava sempre um jeito de retardar minha saída com sutis questionários sobre mim e informações sobre ela: tinha sido casada; não teve filhos; saía muito à noite; adorava beber vinho. Ganhei bons contratos – adianto: não me custaram mais que algumas garrafas de vinho, sempre bancadas pelos clientes; soube depois que corriam comentários sobre minha eficiência de vendedor. Acabei perdendo amigos, vendedores como eu, mas ganhei prêmio do cliente. Mordida? - Até então, nenhuma.

A tela sempre aberta no computador de lara me levou de volta ao saite de encontros. Curiosidade, só curiosidade, de saber se ela mantinha sua página, como se apresentava, o que gostava. É impressionante como as pessoas se revelam e expõem num saite de encontros; de perfis de personalidade plenos de egolatria a preferências sexuais bizarras. Tem realmente de tudo.
Parece que hoje é diferente, intervenção da Justiça; saí do circuito; mas no meu tempo de predador, ninguém se apresentava nos saites com o nome real, menos ainda com foto fiel. Era aquilo de nomes muito elaborados – Harrison Clooney no meu caso; mais infantil impossível, embora evocando galãs maduros; e foto, a minha tão alterada pelo photoshop que quase não me reconheci. Todo mundo fantasia. Quanto às fantasias digo: sou convencional ao extremo. Tão convencional que estou novamente casado, com mulher bem mais jovem, que me colheu no surrado golpe da gravidez acidental – e hoje vivo atormentado com suas saídas semanais para compras; e o retorno naquele estado de leveza de espírito ... com pouquíssimas compras.

Por mais que o Harrison Clooney aqui vasculhasse o saite (FF Friends Forever, coisa de imitar americano; rebatizei Friends for Fuck) nunca encontrei lá – de corpo e nome presentes – dona Lara Cuervo. Nos encontros na COENSA, Lara com seu computador sempre aberto no FF, eu não conseguia descobrir nada, embora um dia, de passagem, sempre sutil, ela tivesse falado sobre amigos que conheceu anos antes num desses saites. A coisa ficou por aí e acabei perdendo o interesse.
Mas a minha busca no FF prosseguia; mulheres obrigatoriamente jovens, não excessivamente bonitas; loiras, não necessariamente naturais; corpo necessariamente Adriane Galisteu; preferencialmente universitárias. (Mal sabia que estava no saite errado; a receita é de garotas de programa. Desse jeito acabaria num saite de advérbios!).
Sorte minha, cruzei um dia com uma Lena Colomba, preenchendo os requisitos, embora meu sexto sentido mandasse ficar longe de mulher com nome de bicho – na escola conheci uma Iracema Gavião, de meter medo; e na bolsa de estudos fiz pesquisa com Maria de Lourdes Pintassilgo, na prática um falcão. (Estranha, muito estranha, a associação com aves de rapina).

O namoro eletrônico com Lena foi diferente – resolvi me expor, queria algo permanente; meu perfil: cinqüentão, atlético, 1 metro e 75, visão 20x20, separado, grisalho, próstata intacta, pressão 120x80, economicamente estável, casa própria, carro importado, gosto de dançar, de cinema, essas coisas todas. Disse até que a foto era retocada, quase fiel; o nome real, deixa pra depois.
Lena dizia que era quase tudo o que eu via no saite; menos o nome, que aceitei como natural, regra do jogo. Mostrou-se inteligente, leituras até densas para sua idade (não me surpreendi, tenho filha assim); acabamos descobrindo afinidades eletivas. Duas coisas me deixavam com pé atrás: fugia do encontro pessoal, tinha medo de decepcionar; e gostava de namorar dando “mordidinhas”. Uma coisa não batia com a outra. Eu estava a fim do encontro. E as mordidinhas até me inspiravam.

Tanto insisti que o marcamos o primeiro encontro. Comentei com a turma do bar e tive que ouvir a velha piada do cara com tanto chulé que só conseguiu mulher num saite de encontros: por acaso uma mulher que não conseguia homem porque tinha mau hálito. Tanta auto-proteção que só se encontraram no motel, um entrando depois do outro. Na cama, no escuro, ela diz que vai contar um segredo, coisa muito íntima; ele responde: Já sei, querida, você engoliu minha meia.
Eu não pretendia correr riscos. Cheguei ao bar antes do horário do encontro e fiquei postado no balcão, ponto estratégico para controlar a entrada. Se entrasse mulher com o instrumental de Lena, iria à luta; se não, bateria em retirada. Minha foto do saite não permitia identificação imediata. Perfeito, não? tudo sob controle, mas nada disso aconteceu. A velha Lei de Murphy: me distraí no refill do uísque, quando me viro dou de cara com quem? me olhando sorridente – Oi, tudo bem? Finalmente nos encontramos fora da COENSA!

Era Lara Cuervo, fumando e sorrindo, aquele sorriso. - Será o Benedito? Me veio à mente: Lara Cuervo e Lena Colomba são a mesma pessoa? Me senti na pele do sujeito que soltou um pum exato quando os pais da namorada abriam a porta do elevador. ­ - Como explicar o que estou fazendo aqui? O vendedor em mim agiu rápido: Vim encontrar um cliente, estou de saída. Tomamos um drinque, for the road? Ufa! Recuperei o sangue frio e saquei essa de Frank Sinatra.
Difícil enfrentar o olhar inquiridor de Lara, todo tempo à espreita para saber se eu era eu, ou melhor, Harrison Clooney. Foi o drinque mais rápido de minha vida. Dei o fora, não esperei para conferir se Lena Colomba realmente existia. Pensava nas mordidinhas, Lara Cuervo afiando seus dentes neste corpo malhado. Lembrei o olhar sacana dos caras do bar: Prepare-se para a mordida!

Nunca mais voltei ao FF. E nem à COENSA. Ouvi dizer que Lara perdeu o emprego. Motivo: mordidas.