sexta-feira, 18 de maio de 2007

Operação Navalha & os pequenos mimos

Nunca antes neste país o cinismo esteve tão forte. Todos somos cínicos. Vemos com indiferença os escândalos que se sucedem. E o máximo que fazemos é tirar piada deles. Este blog nasceu assim, pela necessidade de compartilhar em maior escala a prática diária da crítica com sarcasmo, o ridendo castigat mores, a gozação dos maus costumes, como Cícero ensinou lá para os romanos. Em outras palavras assumimos a inevitabilidade da improbidade pública, numa complacência, passividade e resignação que chocam - até aos cínicos, como este que vos escreve. Vejam mais uma da Operação Navalha (alterei temporariamente meu foco, pois aqui vai tudo como dantes. Ainda vou ser colunista do Correio Metropolitano): na maioria, os operadores da Construtora Gautama contentavam-se com pequenos mimos, como viagens, estadias em hotéis de luxo, miudezas, enfim. Outros, como revelaram as gravações do deputado distrital Pedro Passos, eram profissionais: para liberar fatura de dois milhões exigiu-se uma contraprestação. Já gente sofisticada, como o governador Reinaldo Tavares, do Maranhão, recebia mimo de nível, requintado: um Citroën 2006. Releve-se o mau-gosto de Reinaldo para mimos automobilísticos - na posição dele podia ter exigido um carro melhor, de status, desses alemães, italianos ou mesmo ingleses.

Decisão da Justiça se questiona, sim

De novo a Operação Navalha. O ministro Gilmar Mendes deu hábeas corpus (assim mesmo, com acento; está incorporado ao português) ao operador da Construtora Gautama no Estado de Sergipe. Não ouviu o procurador geral da República nem a PF. Os delegados criticaram. Estima-se que dos 46 ficarão presos muito poucos. Está na hora de esquecer aquela grande contribuição do pres. Collor à cultura nacional: decisão da justiça não se discute; cumpre-se. Cumprir tudo bem, é a indispensável segurança jurídica e a preservação das instituições. Mas discutir, sempre. O Judiciário, estão aí exemplos recentes, tem profundas mazelas. Que mesmo sendo isoladas não podem impedir o controle pela opinião pública - já que os juízes não gostam de cortar a própria carne. Uma das heranças que o regime militar nos deixou foi essa. Mantido à margem pelos militares - que usavam a sua justiça para os julgamentos políticos - o Judiciário ficou poupado do escrutínio (não achei outra palavra) público que fazemos hoje com o Legislativo e com o Executivo.

Orçamento - o exemplo do Uruguai

A assembléia legislativa e a câmara dos vereadores estão trabalhando nos projetos de leis de diretrizes orçamentárias, aquela que prepara a futura lei do orçamento. A lei orgânica de Curitiba determina a consulta popular no preparo da proposta das leis, seguindo nisso exigência do Estatuto da Cidade. A constituição do Estado não tem previsão sobre a consulta. É o orçamento participativo, introduzido com pionerismo pelo velho PT na prefeitura de Porto Alegre e que acabou fazendo carreira no municipalismo do Brasil. Na navegação diária pelo noticiário internacional li que hoje encerrou-se em Montevidéo, Uruguai, o prazo de apresentação das propostas populares para o presupuesto participativo deles. Foram 1.500 propostas escritas. O brasileiro ainda não se deu conta da importância de sua participação no preparo e principalmente no controle da execução dos orçamentos. Acha coisa complexa, obscura, fechada. E depois fica chocado com o abuso nos gastos públicos. Pior ainda é que o Legislativo vota o orçamento e só se lembra de sua função de controle quando a imprensa - ou o M. Público, sempre ele, graças aos céus - levanta o véu de uma falcatrua. Ou seja, os deputados votam os orçamentos só preocupados com suas emendas paroquiais. Que o poder executivo cumpre se quiser, já que no geral a lei orçamentária é autorizatória, não vinculante.
O exemplo do Uruguai é sugestivo. Propostas escritas, além daquelas tiradas nas audiências públicas. E sejamos francos, essas audiências pouco significam, uma vez que a participação é na maioria de grupos de interesse de bairros, no geral instrumentados pelos políticos. E nunca é demais lembrar: as leis orçamentárias do Estado deviam também seguir uma fase de consulta popular. Nada impede. Dá palco e platéia - se o espírito público não for justificativa suficiente.

A língua é o chicote da...

Hoje em Ponta Grossa. Restaurante japonês, os dois nipo-paranaenses avançados no saquê. Diz um deles: "estou preocupado com essa viagem do governador ao Japão, ele pode se sair com uma gracinha para o imperador". Resposta: "não se preocupe, o imperador só recebe presidente". O japa continua com a pulga atrás da orelha: "olha, não sei não. Ele levou o Nishimori junto, não é só porque quer um japonês na Granja. Tô com medo que ele chegue lá e sapeque: o baixinho aí é a cara do Renato Kanayama". O outro nipo-pontagrossense teve que concordar. Lembrou da viagem à Venezuela, quando Ele disse que o Chávez era um Jocelito cucaracha.

Presuntas coimas

O assunto hoje na Argentina são as presuntas coimas - supostos subornos - pagas a executivos da estatal Enargas na contratação de serviços em gasoduto. Bastou a divulgação de escutas autorizadas (a turma do varal operando dentro da lei) para que Fulvio Madaro, presidente da Enargas, fosse afastado do cargo. Num dos telefonemas um executivo da estatal pede doscientos palos verdes - duzentos paus verdes. Deve ser paus de cana, para produzir cachaça. O outro executivo avisa para tomar cuidado com "el pingüino de acá dos cuadras". Pingüino, pinguim, para quem não sabe, é o apelido do presidente Kirchner. Como a turma já me pôs no quaradouro, aviso desde já que naquele meu telefonema para o Botto encomendando duas dúzias de Izaura eu estava pedindo cachaça mesmo. Daquela de Minas. É só virem aqui em casa e conferir.

A gente pega eles no returno

Copa do Mundo, Suécia, 1958. Mané Garrincha animava o time no meio do jogo que o Brasil estava perdendo: "vamos lá, pessoal, a gente pega eles no returno". O grande e desligado Mané não sabia que returno é no campeonato brasileiro. Nem devia se tocar que estava na copa do mundo. Pois é, para mim entre a política e o futebol sempre houve só uma diferença: o juiz do futebol decide na hora e pega pesado. Isso parece que está mudando. Na operação Navalha a Justiça mandou prender o ex-governador Reinaldo Tavares, do Maranhão, que fez toda sua carreira à sombra e sob a proteção de José Sarney - a quem deu uma banana quando no governo do Estado. Foi o returno de Sarney, que neste momento deve estar rindo a bandeiras despregadas, como diz um personagem do Saraminda, seu romance épico e erótico.

Redação própria

A postagem sobre o risco de morte quase me pôs sob risco de vida. Primeiro foi um ex-ombudsman de jornal a me passar uma descompostura exemplar. Que aceitei com resignação. Depois veio o telefonema internacional. André Lara Resende, um dos pais de plano econômico brasileiro, hoje refestelado em sua quinta na Serra da Estrela, Portugal, onde contempla seus cavalos e dá polimento nas jabiracas. Diz que a história passou-se com o pai, não com o Cony. Está carregado de razão. É o meu problema de afasia linguística, agravado pela dislexia. Então conto a história. Oto Lara Resende escrevia suas crônicas na hora, sempre ao chegar na redação do jornal. Fazia isso em máquina de escrever, de uma vez só, sem erros de datilografia (digitação para os mais jovens) e sem revisão. O texto saía perfeito, sem falhas. Sempre tinha ao lado aquele contínuo, esperando para levar o texto à gráfica. Impressionado com a rapidez do Oto no escrever e datilografar, um dia o contínuo não se agüenta e sai-se com esta: "Dr. Oto, o senhor tem redação própria?" O contínuo sem querer virou o herói anônimo da lenda Oto Lara Resende, pois perpetrou um duplo sentido genial: Oto escrevendo sem precisar de qualquer apoio da redação do jornal, e aplicando a ele aquele clássico anúncio de emprego que exigia dos candidatos "redação própria".

Barroso connections

Continuo perguntando e ninguém me responde. Nem o deputado Marcelo Rangel, que desdenhou aquela gentil missiva do MAX. Alguém aí já leu o Correio Metropolitano? Pois é, consta que o retumbante rotativo (é matutino, vespertino, diário, semanário? Está no IVC? Qual a tiragem? Continuo sem saber) - desde sua fundação no longínquo outubro de 2004 - faturou a merreca de R$ 9.000.000,00 (tive que escrever por extenso para me certificar) em anúncios da Cohapar, Copel, Sanepar e da dita mídia direta. Em linguagem "chã e pedrês" (jargão emprestado de meu amigo Ronald Schulman) a isto se chama publicidade oficial. Sucesso editorial como esse nem o Pasquim e nem a Playboy tiveram.




Livros, melhor não vê-los

Não agüento dez minutos dentro de livrarias. Escolho pelo catálogo e compro pela internet. Na livraria entro, peço, folheio, pago e vou embora. É que para bisbilhotar os livros nas prateleiras o cliente precisa torcer o pescoço, pois eles estão sempre naquela disposição que dificulta a identificação de título e autor. Isso é assim desde Gutemberg, e no mundo inteiro.
Será que os livreiros não podiam mudar o sistema? Já têm aquelas mesas dos lançamentos e das promoções, em que os livros ficam deitados, facilitando a consulta. Podiam tentar. Talvez as vendas crescessem.

Pacau de bico

Essa história da queda do dólar começa a assustar. Sou do tempo em que guardar dólar era poupança e garantia de viagem tranqüila, porque o governo limitava a venda oficial. A coisa passou, ninguém mais se preocupa em entesourar dólar - e os doleiros passaram a operar lavanderias. Mas a neurose ficou. Agora vem uma sinuca danada. A inflação só é controlada porque o governo mantém a política de juros altos, com isso atraindo investidores estrangeiros em títulos públicos. Assim entram dólares no mercado interno. A moeda local valoriza, o dólar perde valor interno. Isso é bom para os que importam bens a preços menores. No entanto, é péssimo para os exportadores, que têm prejuízos, já que recebem menos reais quando convertem os dólares recebidos nas vendas internacionais. O país precisa dos dois para manter a política macroeconômica. Um pacau de bico para o ministro Mantega. E a prova de que governar é coisa muito séria.