quinta-feira, 21 de junho de 2007

Guido Mantega, entre na fila

Depois da explosão de testosterona de ontem, ao dar o troco naquele remoque de Roberto Requião ("o Tesouro Nacional é cobrador do Banco Itaú"), os neurônios do ministro Guido Mantega entraram em colapso. Hoje engrenou a língua sem ligar o cérebro e disse que o caos nos aeroportos é efeito do sucesso da economia. Se for assim, o aumento da criminalidade, da corrupção, dos aditivos e do nepotismo também são causados por essa sufocante prosperidade do país. Sejamos complacentes com o ministro Mantega. Por dois dias apenas. Depois disso ele que volte para a fila: tem dez mil paranaenses na frente.

Haja Supremo

José Dirceu também entende que Renan Calheiros deve ser julgado pelo Supremo, pois está sendo submetido a processo político. E Renan diz que seu processo no conselho de ética do Senado é esquizofrênico. Para não ficarmos como o travesseiro, com a marca da última cabeça que nele pousou, vamos lembrar coisas banais.
1) Os julgamentos do Congresso sempre são políticos; não fossem políticos a Constituição – desde sempre – mandaria tudo para o Judiciário.
2) Falando nisso, quem era o parlamentar mais combativo no julgamento – por sinal político – do presidente Collor? – Sim, ele, o deputado José Dirceu.
3) Processo esquizofrênico? – Primeiro, vamos atualizar a nomenclatura: bipolar. Segundo, os dois advogados, Dirceu e Renan, se tivessem exercido a profissão saberiam que todo processo é bipolar, ou esquizofrênico, se quiserem. Não fosse, nem seria processo, pois nele há sempre conflito de afirmações e avaliações de fatos.
Agora, isso de estarem querendo ir para o Supremo deixa o tribunal sob suspeita. O julgamento lá é mais fácil, mais tolerante, mais demorado?

Os suplentes e os safados

Renan Calheiros não conseguiu ser salvo pelos suplentes no conselho de ética do Senado. Sibá Machado foi tomado pelo Espírito Santo e Wellington Salgado pelo espírito-de-porco. Agora apela aos safados e ameaça revelar indiscrições e inconfidências de senadores que, como ele, pularam a cerca. Nada como a postura de magistrado, o equilíbrio e a firmeza de quem está no quarto lugar na linha presidencial. Ainda bem que essas coisas só acontecem em Brasília.

Os irmãos cara-de-pau

Reapareceram no Senado e atendem pelos nomes José Sarney e Romeu Tuma. A última deles: a Polícia Federal não pode investigar Renan Calheiros, que como senador tem foro privilegiado. Devem mandar a investigação para o Supremo Tribunal Federal. A velha jogada de ficar no detalhe, no acessório para encobrir o principal. A PF não está investigando Renan. Foi o presidente do conselho de ética quem a chamou para conferir as transações de carne do senador. A PF está colaborando, felizmente, porque aquela controladoria do Senado fez um papelão - que ninguém até agora explorou - ao santificar e abonar as operações de Renan Calheiros. Não podia ser real, era bom demais tudo aquilo de ontem, a redenção do Senado, respondendo à opinião pública e aprofundando as investigações.

Dano moral

Grande amigo do MAX está sendo processado por dano moral. Situação igual à de Ziraldo, que teve Zuenir Ventura como testemunha. Só foi possível consolar o amigo com a crônica de Zuenir, pois o MAX, solidário na opinião do amigo, queria mesmo é ser réu também.
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Testemunha de palavrão
Zuenir Ventura conta como foi a audiência na Justiça
O texto do jornalista Zuenir Ventura está publicado no site no.com.
Confesso que nesses longos anos de vida, poucas vezes vivi uma situação tão ridiculamente constrangedora como a da semana passada, na 14ª Vara Cível de São Paulo. Tudo por causa de uma expressão que todo mundo conhece e que é a mais ouvida em estádios de futebol. Para a história não perder a graça, é preciso contá-la sem meias palavras. Portanto, os ouvidos mais delicados e pudicos que me perdoem a falta de cerimônia. Tenho que ser literalmente fiel aos fatos. Juro dizer a verdade aqui, como jurei dizer lá, numa sala do oitavo andar do Fórum, onde fui parar como testemunha de defesa no processo que uma senhora move contra o humorista Ziraldo por ele tê-la chamado numa entrevista de "filha da puta".
Meu testemunho poderia ajudar a esclarecer uma questão crucial: "filha da puta" é uma expressão injuriosa capaz de provocar danos morais que justifiquem uma reparação de R$ 50 mil, como quer a acusação, ou é apenas um xingamento, um desabafo, sem juízo de valor, como alega a defesa? Em suma: chamar alguém de "filho da puta" é um mero xingamento, uma espécie de interjeição, ou se trata de uma declaração substantiva de fato, uma injúria? Já na primeira pergunta, percebi que ali não podia haver subentendido; as coisas tinham que ser claras. Admito que não estava à vontade.
O cenário da Justiça, solene e litúrgico, sempre amedronta: o juiz lá em cima, altivo, distante, soberano; os advogados, cumprindo o seu papel, tentam evidentemente pegá-lo pelo pé, querem que você dê uma escorregada, que caia em contradição, que seja traído pela memória. A tensão é inevitável. Assim, meio nervoso, dei minha primeira resposta, com o pudor e a cautela de quem está chegando a um ambiente de cerimônia onde havia inclusive senhoras. A não ser que você seja um cafajeste, ninguém chega a um lugar desses dizendo "Oi, onde está o filho da puta?"
Por isso, ao responder a pergunta inicial do Juiz, fugi da expressão chula e recorri a um eufemismo: preferi referir-me ao "episódio do palavrão", como um senhor deve fazer numa sala onde há pessoas que ele não conhece. O máximo que você se permite nessas circunstâncias é um "f...da...p". Num interrogatório na Justiça, porém, você tem que ser preciso, não pode usar subentendidos e ambigüidades. "O Sr. está se referindo ao filha da puta?", me corrigiu o juiz. Levei um susto. Nunca ouvira de egrégia boca tal chulice. Refeito, tive vontade de dizer "Ah, é? Liberou geral? Se é assim, deixa comigo!". Já estava a ponto de soltar um "puta que pariu, Meritíssimo, que saco essa coisa toda!", quando olhei o juiz e vi que ele tinha um rosto ao mesmo tempo jovem, sereno e severo. Não inspirava nenhuma gracinha. Era daquelas pessoas que não precisam amarrar a cara para se fazerem respeitar. Sabe aqueles sujeitos que, por mais intimidade que se tenha, jamais se ousará dar-lhe um tapinha na barriga? Pois é. Me contive então e respondi com o maior respeito: "Exatamente, Meritíssimo, me refiro ao filha da puta".
Isso foi, como disse, no começo da audiência. Com o passar do tempo, no entanto, o próprio juiz teve que se esforçar para não rir, nem sempre conseguindo deixar de esboçar leves sorrisos. A situação era por si só engraçada. Num judiciário com tantas dificuldades, tantos problemas para resolver, como levar a sério aquilo tudo? A comédia ficou impagável quando se procurou mostrar os vários usos do tal palavrão, inclusive como elogio. Lembrou-se que Ziraldo, na mesma entrevista à revista Imprensa, empregara parte da expressão para falar de um ex-presidente: "Itamar é puta velha; é um craque". Temi que começassem a entrar no recinto outros palavrões não autorizados.
Era um tal de puta pra lá, puta prá cá na sala que eu fui me descontraindo e de repente já estava dando também meus exemplos. "Quando eu digo que fulano tem um puta texto, Meritíssimo, isso é um elogio. Um puta cara, uma puta mulher". Por pouco, vejam vocês, não repetia para o juiz aquele exemplo machista bem grosseiro: "quando digo aquele filho da puta tá comendo fulana, Meritíssimo, isso é um elogio". Felizmente, o que me restava de pudor aquele dia me impediu de cometer a cafajestada.
Eu saíra de casa às 8h30, pegara o avião das 10h e estava voltando no vôo das 6 da tarde, quando me lembrei do bordão do Ancelmo e me disse: como deve ser bom viver num país em que a Justiça tem tão pouco a fazer que é capaz de passar um dia discutindo a expressão filho da puta. Ainda no espírito da 14ª Vara Cível, tive vontade de plagiar também Jânio Quadros dizendo para Fernando Sabino: "Puta que pariu, Fernando, que língua a nossa!"

Cachorrinho de madame

Cheguei atrasado no bar, culpa do Renan Calheiros. Turma toda reunida em torno do Jacaré, amigo e médico da Mila. Papo animado, o pessoal na segunda rodada de Izaura, Jacaré dominando e dissertando: " tem aqueles pitbulls e os doberman, que ficam lá no canto, quietos, não latem, não rosnam, sozinhos, sem ninguém. Quando a coisa pega, atacam e sai de baixo, é morte certa. E tem esses cachorrinhos de madame, só valentes perto da dona, da família da dona, dos amigos da dona, dos parentes da dona. Surgiu o perigo, afinam, são mocinhas". Meti a colher na conversa, perguntei ao Jacaré, veterinário dos bons, em qual categoria estava a Mila, yorkshire e rainha aqui de casa. Micou geral, todo mundo me olhando com cara de extraterrestre. Falavam de políticos, não de cachorros.

Três anos sem Leonel Brizola

Há exatos três anos, em 21 de junho de 2004, morria Leonel Brizola. Ele, Jânio Quadros e Carlos Lacerda, foram os políticos brasileiros mais controvertidos do século 20. Ao contrário dos dois outros, dele nunca se duvidou das intenções e da sinceridade dos propósitos. Era difícil aceitar seu pragmatismo, tamanho o arco ideológico de suas alianças políticas. Impossível fugir de seu carisma e encanto pessoal. Nunca perdeu a simplicidade e o vínculo com suas raízes, daquele menino humilde que aos doze anos, sozinho, bateu na casa do reverendo Isidoro e pediu para entrar no colégio mantido pela Igreja Metodista, em Passo Fundo: "eu quero estudar. Tenho uma vaca e o meu padrinho Otávio vai vender leite para pagar os estudos. Além disso, eu posso fazer alguns trabalhos, como lavar a louça, carregar água e outras coisas".
Esse Brizola - Itagiba Leonel no registro, homenagem do pai a vulto histórico gaúcho - quando governador do Rio Grande do Sul chegou a construir seis mil escolas. Não há informação de que tal marca tenha sido superada. Melhor que ninguém descreve isso Caco Barcellos, jornalista e celebridade da Rede Globo:
  • Ao Brizola eu devo o primeiro lápis que tive na vida, o primeiro caderno - que minha mãe guarda até hoje -, a oportunidade de praticar esporte e música em um espaço digno e o acesso a alimentação com proteína de primeira linha. Impossível também esquecer o dia em que eu e meus colegas lá do Partenon recebemos um tênis padrão das brizolinhas, como eram chamadas as milhares de escolas públicas que ele mandou construir nos bairros pobres de Porto Alegre.