segunda-feira, 21 de maio de 2007

A cultura da irresponsabilidade

No Brasil os eleitos ainda acreditam que receberam cheques em branco dos eleitores: nada devem a eles, nem às instituições, menos ainda às leis. Se apresentam programas de governo quando candidatos, esquecem-se rapidamente quando empossados. Isto vale para Executivo e Legislativo, nos respectivos papéis. O Executivo, confiante na maioria parlamentar, descumpre as leis sistematicamente e deixa pesados custos para as gerações seguintes – não para a administração seguinte, porque esta faz o mesmo. O Legislativo ocupa-se do Executivo apenas quando em confronto político, nunca no confronto programático – e, o que é até mais importante, na pura, simples, trivial e constitucional fiscalização, sua maior incumbência e responsabilidade. E quando faz isso, é sempre de um amadorismo, de um estrelismo, de uma falta de criatividade atrozes. Tem ampla assessoria, pode buscar assessoria independente e fica no discurso. Discurso que se esvazia com as falhas de investigação e deixa no povo o sentimento de impotência, de inevitabilidade dos maus costumes políticos.
Não falo de coisas abstratas, falo de coisas concretas. E fico na província, não olho Brasília: o imbróglio Pavibras/Sanepar. Os deputados ficam discutindo as apólices de seguro, que são um falso problema, até inexistente. Querem porque querem encontrar superfaturamento no contrato da companhia. Nem o Tribunal de Contas encontrou nos dois julgamentos que deu – e olhem que o TC tem estrutura técnica. Esqueceram de estudar a CPI da Sanepar de 1995, envolvendo os mesmos gestores e a mesma Pavibras. Onde está o problema? Volto ao tema.

E a lei de processo administrativo?

Falar de súmula vinculante abre espaço para levantar uma outra situação, que também provoca acúmulo de processos judiciais: a cultura da decisão dos conflitos pelo Judiciário, entranhada no povo brasileiro. Tentativas são feitas, sem resultados apreciáveis: a obrigatoriedade de conciliação nos processos judiciais, os juizados especiais, antes chamados de pequenas causas, e o arbitramento privado. Mas tais instrumentos não atingem o grande gerador de processos judiciais, o Estado (que examino em outra postagem). O Estado prefere deixar que o Judiciário decida questões de grande vulto ou aquelas que reúnem muitos interessados, como as de contribuintes e as de funcionários. Objetivo claro: fugir da responsabilidade da decisão rápida, que acaba comprometendo a receita pública imediata (e projetos mais eleitorais que voltados ao interesse geral), deixando que a demora judicial jogue o pagamento para outra administração - que joga para a seguinte, a seguinte e a seguinte. Aí estão os precatórios para confirmar.
Há maneira de atenuar isso, que depende mais da generosidade e espírito público dos governantes que da própria cultura do povo: o processo administrativo. Neste, o Estado se abre para trazer o cidadão para discutir dentro do Estado. A resistência dos governantes no criar e fazer valer leis de processo administrativo chega a ser impatriótico - pois ainda querem o processo judicial. Existem poucas dessas leis no Brasil: São Paulo foi pioneiro, depois a União fez a sua e dois ou três Estados também fizeram. Mas nem os que têm as leis deram-se ao trabalho de divulgar sua utilidade. Cumpriram tabela.
O Paraná tem um excelente projeto de lei de processo administrativo, contribuição generosa e gratuita de Romeu Felipe Bacellar Filho, esquecido na Assembléia Legislativa.

Súmula vinculante - decisão no dia 24

O STF decide nesta quinta, 24, sobre as três súmulas, agora de natureza vinculante: os tribunais de todo o país não poderão julgar em contrário ao que elas determinam. Delas, a principal é a que declara inconstitucional qualquer lei ou decreto estadual que regule sistemas de consórcios ou sorteios, incluídos bingos e loterias. Uma outra está limitada ao Tribunal de Contas da União, abrindo direito amplo de defesa e participação do interessado nos processos em que possam vir a ser anulados benefícios que obteve como funcionário público. O propósito da súmula vinculante é uniformizar as decisões de todos os tribunais segundo a orientação do Supremo Tribunal Federal. Como resultado final a redução do número de processos, que crescem de modo assustador. O grande interesse da Nação, hoje, é a rapidez e a lisura do Judiciário, manchada pelos episódios da venda de sentenças - que tiveram na disparidade de decisões dos tribunais federais o ambiente propício para se desenvolver. A efetiva eficácia das súmulas dependerá da continuidade e da velocidade do STF no produzi-las daqui em diante.

Blogueiro tem cada uma

O fellow blogger Zé Beto relata o desconforto no Tribunal de Contas com a escolha da inspetora Tatiana Bove para o conselho de administração da Sanebras, cuja diretoria estaria também desconfortável. Diz ele que pode ser legal, mas...Não é legal, não. Pior que isso, é inconstitucional por aquela cláusula da Constituição que proíbe a impessoalidade - e que os políticos dizem que não se aplica no nepotismo pela falta de lei específica. É o típico argumento que um dia vai justificar que a gramática não proíbe separar por vírgula o sujeito do predicado. Também pela falta de lei específica, claro que votada pelos políticos, que sempre sabem onde pôr o sujeito. A conselheira Tatiana Bove é casada com o secretauro chefe da Casa Civil. Mais pessoalidade na escolha impossível. Perdão, o padrão vigente recomendaria escolher um filho, um irmão, um sobrinho. Até um primo, como na Sanebras. Mulher fica por último, pois pode prejudicar o serviço da casa (não acredito nisso). Muito desconfortável para o TC, que terá sempre esse viés de favoritismo no controle das contas da Sanebras. Mas desconforto na Sanebras, por favor, os barrigas estão chorando de cara cheia - ou vice-versa. Além do viés, a conselheira Tatiana vai trazer ao conselho de administração o feedback de sua experiência no TC. Vai fazer o controle prévio, concomitante e subseqüente das contas da Sanebras. Gente ingrata.

A Escolinha - Montessori ou Summerhill?

Amanhã, terça, a Escolinha terá outro preceptor - temporário, pois não prescindimos d'Ele, cuja pedagogia é insuperável. Não será também uma aula magna, já que magno, depois de Alexandre (o da Macedônia, não o de União da Vitória), só Ele. E só pela precedência histórica, não pela magnitude. Mas será oportunidade única para que nós - e para os alunos que não cabularem a aula - possamos confrontar dois métodos de ensino. Não são métodos novos; ao contrário, são até bem antigos, um deles já centenário e o outro chegando aos noventa anos de aplicação - ambos de sucesso comprovado. São os métodos Summerhill e Montessori. Ele é Summerhill. O preceptor de amanhã, também vice-diretor da Escolinha, é Montessori - a quem, livres como Ele nos ensinou a ser, damos precedência neste relato.
  • O método Montessori, criado no final do século XIX por Maria Montessori, médica italiana, baseia-se na disciplina, na criatividade e na alegria. O aprendizado é estimulado mediante jogos, montagem de objetos, mas sob controle sempre presente, mas não rígido, nem tolhedor, do educador. Sua essência é despertar a alegria no aprendizado, induzindo o educando ao trabalho de equipe. Aprender fazendo é o princípio do método.
  • O método Summerhill é criação de 1921, quando Alexander Sutherland Hill, fundou sua escola, que sobrevive, dirigida atualmente pela filha, Zoë Readhead. Lá impera a pedagogia da liberdade absoluta. Não tem salas de aula permanentes, não tem currículo, não tem programa. Os educandos podem decidir estudar, tendo também liberdade para brincar todo o tempo. Não há avaliações, ou seja, não existem provas mensais, semestrais ou anuais, pois os alunos decidem em assembléia quem será aprovado. A disciplina é recurso empregado em casos extremos, extremíssimos, já que o princípio do método é a plena realização da individualidade do educando.